Será o ego nosso inimigo? Talvez você não saiba, mas alguns de meus colegas yogis, místicos e holísticos acham que sim. Ao direcionarem a inveja, raiva, vingança, etc., sobre os ombros do ego, o qual leva toda o peso pelos erros e tropeços. Me parece que o ego dessa forma com é percebido aproxima-se do lugar do outro, do diferente. Lhe explico, aquele que é totalmente diferente de mim assume o lugar do outro. Tudo o que rejeito em mim vai para o outro, a inveja que eu sinto não estaria em mim e sim é deslocada para o outro, assim preservando a imagem que tenho sobre mim. Nesse discurso parece que o ego também está tomando esse lugar, de algo que não representa o sujeito. Todavia, alguns que gostam e se aventuram pelo autoconhecimento, assim como praticantes de yoga, místicos e holísticos, também fazem esse deslocamento de tudo que não corresponde com a auto imagem para o ego. Gerando uma segunda cisão, a primeira foi exatamente entre eu e o outro, porém ocorre uma segunda separação dentro do próprio eu, como uma briga interna. Além do outro assumir todas as características que não encaixam com a minha auto imagem, agora há também uma parte do eu que recebe essas características não desejadas. Sobrando para a auto imagem ainda mais pureza e perfeição, em outras palavras sobra amor, acolhimento, etc., é excluído ódio, desprezo, etc.. Ou seja, para uma manutenção de uma imagem de si que é bondosa, coerente, justa é comum que aspectos opostos a esses sejam realocados fora de si, ou seja no outro. Quando recai sobre o ego esses sentimentos não quistos pelo sujeito, o que sobra para o eu em si? Algo ainda mais puro e perfeito.
Uma possível causa do sofrimento, seria o não reconhecimento de que haveria dentro de cada um de nós ódio, inveja, raiva, e assim por diante. No caso acima, pode haver ainda mais sofrimento ao fazer isso novamente e novamente, entretanto, dessa vez voltando-se não contra o outro mais pela segunda vez contra parte de si mesmo. Complexos escondidos da consciência. Digo que quanto mais se quer esconder algo sobre si mesmo, mais culpa há em jogo, culpa de sentir, pensar o que é proibido. Algum possível erro cometido, a falta de aceitação resultando em culpa, nos leva a tentar agarrar a ideia de que nada ocorreu e assim manter a auto imagem preservada. Não podemos esquecer que esse processo de separação entre eu e o outro é necessário para a definição de quem somos. Sem essa separação, não haveria como surgir a noção sobre si mesmo, como forma de limites e auto afirmação, pela energia narcísica podemos definir nosso limite, onde eu termino e o outro começa. Apesar desses limites não serem tão nítidos e claros quanto pensa-se. O holístico, crê que essa separação não deveria existir, sendo ela causa do sofrimento, tentando eliminar o ego para que voltemos ao momento antes da separação, onde tudo seria uno.
Entretanto, se entendermos que essa separação exagerada pode causar sofrimento, e que uma possível estratégia seria assimilar e incorporar conteúdos excluídos da consciência para diminuir o sofrimento. O caminho reverso se faz importante. Aos poucos, trazê-los à luz da consciência, primeiro atribuindo a si mesmo aspectos desgostosos, em seguida, assimilando também aspectos que aparentemente só existem fora do eu. Ou seja, incorporar esses complexos que foram excluídos e atribuídos ao outro. É claro que esse processo de adquirir consciência do que foi excluído não é tarefa fácil, exige uma percepção capaz de conviver com opostos dentro de uma mesma personalidade, como conceitos, sentimentos, pensamentos muitas vezes contraditórios. Assim surge um caminho contrário, diferente de excluir e separar de si tudo o que ameaça a si mesmo. O que entende-se sobre si mesmo aos pouco não será mais como antes, não por eliminação de um inimigo vencido, na tentativa de vencer o ego, mas por ampliar-se e conseguir conter o que antes era excluído. Não sendo mais o mesmo, porém maior. Talvez não voltando ao estado de unidade de antes, mas encontrando um outro lugar voltado para frente e não para o passado. Uma entidade que pode acomodar diferentes desejos, diferentes histórias e justificativas, em que cada parte tem seu lugar, não excludente e sim participante de um mundo interno regido por forças as quais podem conviver. Uma unidade totalmente diferente do que a imaginação pode conceber.