Para que viver?

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Para que viver? Essa seria a pergunta mais interessante a ser feita. Lendo sobre professores de meditação, achei uma história que lembro até hoje, ele dizia não ver problema algum em alguém querer tirar a sua própria vida, mas antes que o fizesse, por favor que o dissesse o motivo. O motivo de tirar a própria vida anda próximo com o de viver. Digamos que pelo mesmo motivo podemos viver melhor ou podemos querer parar de viver. Entendo que não é tão simples assim de descobrir um motivo, descobrir as razões para desejar viver é algo que pode tomar toda a vida, e ao percorrer da vida, é possível que o motivo mude. Talvez não seja uma coisa apenas, a qual dá sentido a vida, mas sim um conjunto de fatores.

Uma grande frustração como a perda de uma relação valorosa pode significar muito ao ponto o sentido de viver se torne difícil de achar. Comum escutar frases como: bola pra frente, o que não nos mata nos torna mais fortes, a próxima relação será ainda melhor, tempestade em copo d’água? Porém, esquece-se que a interação de alguém como a mãe é a primeira experiência de um bebê, a qual é o mundo inteiro para ele, e a partir do qual servirá de matriz para desdobrar futuras relações com o mundo e com outras pessoas. Ou seja, a relação interpessoal é uma experiência profunda de existência, de mundo, de si e do outro – é a base para todo o desenvolvimento individual e coletivo que segue o ser humano, desde bebê a um adulto. Voltando ao tema, que sentido é esse que pode ser perdido? Uma dos sentimentos mais profundos em mim é, o de pertencimento.

Pela vida ocorrem inúmeras frustrações, um professor de religião me marcou com sua observação do que se passa com o homem, ele dizia que um caminho comum é: primeiro, achar algo em que acreditar e defender isso como se fosse água no deserto; segundo, é esperado que essa pessoa que acreditou antes se frustre depois e rechace sua crença com raiva e desdém; terceiro, quando ocorre um retorno ao primeiro passo, porém agora com menos fantasia, com um olhar mais crítico e capaz de assimilar de outra maneira tudo o que se passou. Digamos que esses passos se repetem com a mesma coisa ou com objetos diferentes, a cada volta há mais abertura e tolerância para com as possíveis contradições e incertezas. Via de regra, todos esses passos ocorrem entre o homem e o que ele entende por sagrado, esse entendido como algo maior que ele, superior aos homens, posso entender o sagrado por qualquer conhecimento que inclua a raça humana. E consiga com isso colocar em parâmetros, mesmo que minimamente, o ser humano. Algo maior que eu e nós todos, talvez como tentativa de retorno a uma figura paterna ou materna. Se olharmos os três passos mencionados pelo professor de religião, são os mesmos passos dados por qualquer bebê: um momento em conexão com a mãe sem dúvida ou separação; segundo momento, a realidade em si mudou e não coincidiu com o primeiro momento, surgindo desencanto e insatisfação; terceiro vias de adaptação entre uma realidade que foi e uma que é. Será que esse processo é repetido a todo momento?

Para que viver e sua outra pergunta, qual o motivo de acabar com a vida, é um processo que talvez passe por esses três passos citados pelo professor. Situado entre a frustração e adaptação. Essa forma mais simples de ver todo esse processo pode ajudar a seguir a diante. Eu, especialista empírico em seitas, já entrei em duas sem me perceber e uma vez por vontade própria e consciente, as duas primeiras na tentativa de me sentir pertencido ou escapando do sentimento de desamparo fui atrás de algo sagrado que me confortasse, em seguida como tentativa de integrar os insucessos. Assim, para que viver, passa de uma tentativa de retorno para um processo, passa de uma resposta certa para muitas respostas erradas.

A solução que vejo, demora tempo para perceber e uma certa coragem para poder estar no lugar em que há menos sagrado como conhecemos comumente, ou seja, a desilusão vivenciada se torna aos poucos constante e um sentimento de vazio pode aos poucos também ter lugar. Esse vazio que tanto se quer evitar, pode ser uma grande saída e um alento, nada como um sopro para preencher o corpo, o primeiro alento. Dessa forma, o sagrado que estava sempre em um plano idealizado retorna a terra. E assim, as experiências vividas pelo homem podem ser um pouco desconhecida, se o sagrado que era em um momento algo maior, que abarcava o ser humano e ao mesmo tempo fora da compreensão humana, em outras palavras, desconhecido – pode agora sair desse lugar longe acima e chegar ao plano horizontal, quando o humano deixa a frustração, do não conhecer ao certo a existência, entrar. Na medida em que o desconhecido entra no homem/mulher, o sagrado retorna a terra e pode ser vivenciado. A saída possível para não se matar, ou para que viver, seria sobre não ter respostas e experimentar o misto de entender algumas coisas sobre a vida e ao mesmo tempo não entendê-las, frustrar-se constantemente, é como ter a vontade de morrer próxima assim como a vontade de viver provando o desfazer do que se sabia.

Aquarela